jeudi 13 juillet 2017


Balanço de uma Vida


Laura não consegue precisar quando, pela primeira vez na sua vida, olhou para trás? Qual o momento exacto em que quis perceber o sentido do seu próprio percurso? O porquê de cada uma das suas escolhas? A razão, ou a falta dela, nos momentos mais decisivos da sua vida?

O porquê daquela determinação sem reticências que a fez rasgar a eito o seu caminho, mesmo nas encruzilhadas mais dificeis? Porquê partir em vez de ficar? Porquê seguir sempre em frente sem sequer se dar o tempo da dúvida ou até mesmo o de chorar? Porquê?!

Hoje, enquanto procura respostas, as lágrimas brotam-lhe, assim, sem aviso surpreendendo-a a todo o instante. No peito, o peso insustentável dos erros cometidos, corta-lhe a respiração e é o pânico que por momentos se instala deixando-a lívida de angústia... dir-se-ia transparente!

Mais do que nunca vulnerável, Laura tenta, sem grande êxito, esconder a fragilidade crescente que a vem consumindo, devagarinho, a fogo lento, mas corrosivo. Uma fragilidade que a desgasta e que parece acompanhar uma consciência de si cada dia maior e mais nítida, mas que apesar disso em nada a conforta. E os erros parecem suceder-se de forma inevitável, qual destino malfadado!

Descrente e desacreditada, Laura consome-se ao longo de dias que sem dó nem piedade se sucedem... e por todos os tempos, faça frio ou faça sol, Laura parece arrastar o seu triste fado em cadeados de ferro! O seu andar, de tão pesado e vacilante até parece deixar rastro, e no seu olhar a luz frágil da esperança vai diminuindo e projectando sombras de espanto a cada dia que passa. No rosto o travo amargo dos dias deixa sulcos e Laura sente-se vergar sob o peso da idade e duma promessa ainda por cumprir... a duma Vida que quis diferente!

Ao longo dos anos Laura viu sua vida escarpar-se-lhe por entre os dedos, como aquela areia fina das praias da sua infância, com que tantas vezes construiu castelos levados pela espuma do mar! Apesar disso nunca deixou de sonhar, e fazê-lo acordada sempre foi o seu melhor passatempo. Pobre Laura!

Quatorze anos se passaram desde que em 2003 resolveram emigrar e desde então guarda na memória o estado de espírito com que partiram quando decidiram tudo recomeçar num outro país!

Um país distante de que ouvira falar pela primeira vez ainda criança, durante as férias de Verão passadas em casa de seus avós maternos, a viverem na altura em Lisboa.

Era certamente Domingo pois o traje de seus avós era de rigor e o passeio inabitual: ir esperar alguém ao aeroporto nos anos sessenta não era acontecimento corrente e menos ainda popular.

Tratava-se de um senhor alto, moreno, elegante e também ele vestido a preceito! Nunca soube quem era, nem que tipo de elo o ligava aos seus avós e desse momento apenas guarda na memória: a tez morena da sua pele, o rigor clássico da sua indumentária, o brilho dos seus sapatos e a bela bonequinha suiça de tranças loiras que lhe deu de presente!

Hoje vê esse momento como o presságio duma viagem que quarenta e tal anos depois viria a fazer!

E é por isso que cada vez que se lembra do dia em que chegaram a Genebra não pode impedir-se de sorrir! 28 de Fevereiro de 2003, um dia ameno e luminoso embora húmido. A tensão emocional era então imensa, mas a certeza de vencer era ainda maior.

Poucas horas após a chegada, algumas gotas de chuva pareciam querer lavar o caminho para o abrir fresco, luzidio e a cheirar a Primavera, como quem a anuncia... e assim começou a aventura.

Há-de sempre lembrar-se do espanto de sua filha Joana ao descer da camioneta, lançando-lhe um olhar incrédulo ao mesmo tempo que lhe perguntava “mas aonde está a neve?” A neve fazia parte do pouco que sabiam sobre o país e parecia-lhes mesmo indissociável. A Suiça dos desportos de Inverno, a Suiça das belas e grandiosas montanhas cobertas de neve, onde estava ela?! Sem qualquer certeza, respondeu-lhe que teriam talvez que sair da cidade para ver a neve, que certamente haveria mais a norte, nas aldeias das montanhas. Mas a verdade é que aquele ano revelar-se-ia particularmente ameno e doce, a Primavera não tardaria a chegar e o Verão ficaria registado como dos mais quentes dos últimos anos!

E foi assim que tudo começou: “Era uma vez uma pequena família, fragilizada por uma crise em vias de se alastrar por toda a Europa, e mesmo para além dela. Uma pequena família que parte à procura de bem mais que trabalho, à procura de estabilidade, de tranquilidade e de uma dignidade quase perdidas... enfim uma família à procura de um sonho, à procura daquilo a que vulgarmente chamamos felicidade!”

Para Laura o simples facto de não se conformar, de dar o passo e partir, é por si só uma vitória, é já metade do sucesso, é garantia de vencer... nada mal para quem faz parte de um povo marcado pelo “fado”!

Mas nem por isso o caminho seria mais simples.

Como já dizia o poeta “partir é morrer um pouco”, é como cortar o fio à meada e encetar uma outra, mais nova, colorida e cheia de promessas, como se o caminho seguido até aí terminasse de repente num beco sem saída, não deixando outra alternativa senão a de tudo recomeçar.

A verdade é que emigrar é como nascer de novo, ainda que já adulto, sofrido e não raramente desesperado, numa terra distante, muitas vezes desconhecida, outras tantas inóspita, que não nos viu nascer e que muito provavelmente não nos há-de ver morrer.

Mas ao contrário de muitos emigrantes, Laura e a sua pequena família sentiu-se desde o primeiro minuto, bem-vinda em terra alheia. Mais do que isso, foi amor à primeira vista!

Durante quase um mês viveram em casa de familiares, os mesmos que os ajudaram a dar o grande passo, que os levaria a um outro país e a uma nova étapa da vida. E durante esse tempo procuraram activamente o seu próprio espaço que acabariam por encontrar no primeiro andar duma vivenda centenária!

Pequena, antiga mas quente e acolhedora! Tinha apenas 3 divisões e à excepção da casa de banho as duas outras tinham dupla função, uma sala que ao cair da noite servia também de quarto aos três membros da família e uma cozinha que era também sala de jantar. Só alguns meses depois mudariam para o rez-do-chão, que sendo parecido era contudo maior dado que anexava mais uma divisão espaçosa que viria a ser o quarto de Joana.

Aí viveram três anos de felicidade que jamais esquecerão! O dinheiro não era muito, o trabalho era duro, os compromisso de peso mas a coragem e vontade de ambos era tal que os mantinha unidos e fortes. Ao final de cada dia o reencontro era vivido com alegria e muita história a partilhar. Juntos enfrentaram e ultrapassaram todos os obstáculos, honraram todos os compromissos, lutaram, trabalharam e amaram-se como nunca antes!

À medida que os dia passavam e que a aventura ganhava forma, crescia em Laura um sentimento reconfortante de segurança. Não havia a menor dúvida de que tinham feito a boa escolha, álias se erro houvera, o único que reconhecia e apenas pouco tempo depois de iniciada a aventura, foi o de não terem partido mais cedo!

Meio ano após a chegada, Laura perguntava-se o quanto não teria sido mais fácil e até proveitoso terem tomado essa mesma decisão dez anos antes?! Mais novos, mais fortes e com mais energia parecia-lhe evidente que a experiência teria sido ainda melhor.

Mas o tempo não anda para trás e o que realmente interessa é o presente e o que nele construímos, para que o futuro se possa revelar um bom Porto de abrigo!

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire