jeudi 16 avril 2009

Elogio ao amor - Miguel Esteves Cardoso

“Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em “diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam “praticamente” apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do “tá bem, tudo bem”, tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso”dá lá um jeitinho sentimental”. Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novoscasalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um minuto de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

22 commentaires:

  1. Laura,

    Por acaso já conhecia este texto (que tanto gosto!) e sinto sempre uma imensa dificuldade em dizer seja o que for sobre ele, simplesmente porque acho que ele já diz tudo!

    O amor é tudo isso, sim... e só quem já o sentiu sabe disso.

    beijinhos

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  2. Há momentos para tudo... mas este amor é "tudo e mais alguma coisa"... mas é preciso coragem... e ela nem sempre anda por aí...
    Beijocas,

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  3. Não tenho nada a acrescentar meritíssimo... perdão MEC!

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  4. já conhecia o texto, é sem dúvida muito bom.

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  5. Ana,
    Realmente há pouco mais a dizer, embora aquilo que mais me tocou neste texto não tenha sido propriamente as diferentes definições de AMOR que MEC nos dá (conheço outras não menos belas, Camões escreveu a esse propósito um dos mais belos sonetos de sempre... e que diz tudo absolutamente TUDO), mas sobretudo os "tipos" cada vez mais frequentes de "AMOR" que hoje se vêm por aí... ou seja o amor completamente SUJEITO à vida "prática"! Eu diria mesmo quase SUBMETIDO às leis de "mercado" da viabilidade "prática"!

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  6. Gilda,
    É disso mesmo que se trata, assistimos no AMOR (como a outros níveis) a uma enorme falta de CORAGEM!...

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  7. Pas(ç)sos,
    Eu tb achei isso.. daí não ter sentido necessidade de acrescentar o que quer que fosse ao texto de MEC! É bom mto bom... e o que é sobretudo bom nos seus textos é a facilidade e acessibilidade com que trata e fala de temas tão sérios e complexos!! É pura e simplesmente GENIAL (e isto sem pretender de forma alguma adulá-lo e sobretudo esperando que a consciência disso mesmo não lhe suba à cabeça)! mas que o admiro ADMIRO, sem dúvida!

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  8. Exactamente Laura.
    E como a "emenda" foi pior que o "soneto", mais me revoltaram essas palavras vindas duma comunicação social que devia ser responsável, mas não é.
    Quanto ao terramoto em si Laura, não é para punir ninguém por erros que comete ou tenha cometido.
    São ciclos e ajuste destas placas instáveis onde vivemos, desta bola que nos maravilha e que está em constante movimento e mutação, e que, desde que temos conhecimento, sempre pregou sustos à humanidade, uns maiores... outros menores e quando não prevemos.
    Bj
    Maria

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  9. Um comentário ao post de "MEC":

    O amor, para mim, aquela amor onde sentimos tudo, onde tudo demos e nada pedimos em troca, e onde o que nos foi dado foi igual ao que demos, ou talvez mais ainda (não sei...) dura o tempo que a vida dura.
    O outro, o que saltita, deixa bocados que não são de amor... mas que para muitos, no conjunto, fazem pessoas pouco exigentes felizes.
    Felizmente os sentimentos e a sensibilidade
    variam, tornamdo-nos todos diferentes.
    Maria

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  10. É isso Maria...os sentimentos e a sensibilidade variam muito, bem como o nível de exigência de cada um!

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  11. E quem não quer viver eternamente num minuto?

    Excelente selecção.

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  12. o amor é........tudo e mais alguma coisa. Dói e não doi, sente-se e não se sente, constroói~se e não se constrói, é....o amor simplesmente.

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  13. Tempusinfinitae,
    Todos nós, a um momento ou outro da nossa vida, ânsiamos por esse minuto de eternidade!! E acho que alguns de nós já o vivemos naquele amor impossível, porque fruto de um desencontro! Naquele amor que não se tendo concretizado deixa no ar, como uma aroma, a eterna pergunta... como teria sido se?!

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  14. Isamar,
    Ninguém como Camões soube tão bem defini-lo:

    Quote

    Amor é fogo que arde sem se ver;
    É ferida que dói e não se sente;
    É um contentamento descontente;
    É dor que desatina sem doer;

    É um não querer mais que bem querer;
    É solitário andar por entre a gente;
    É nunca contentar-se de contente;
    É cuidar que se ganha em se perder;

    É querer estar preso por vontade;
    É servir a quem vence, o vencedor;
    É ter com quem nos mata lealdade.

    Mas como causar pode seu favor
    Nos corações humanos amizade,
    Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

    Luís de Camões
    Unquote

    Não é lindo?!... e como diz tudo!

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  15. Olá Laura
    Obrigado pelo comentário no meu blog. Gostei do teu espaço e espero voltar mais vezes.
    Quando escrevo é com "sede"de quem sente e para ser sincera passam-me alguns detalhes
    É o Amor ... :)
    Beijos

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  16. Já tinha lido este texto, Laura.

    Embora aprecie, dei comigo a pensar que apesar de lhe dar toda a razão, não me podia esquecer que "O amor é uma coisa, a vida é outra." Por vezes, a vida mata o amor. Mesmo o genúino. Quando chegamos a essa conclusão, acabamos por nos questionar...Será que vale a pena?!

    Ainda me resta a esperança de um dia vir a "engolir" esta forma de pensar mas, neste momento, já não acredito no amor segundo as palavras de MEC.

    Boa escolha!

    Deixo-te um beijinho.

    Alexandra

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  17. Luísa Paula,
    Quando temos "sede" de transmitir e partilhar um momento a ansiedade é tal que nos deixa pouco lugar à reflexão... quantas vezes isso já não me aconteceu?! Perdi-lhe a conta!
    Espero que voltes e sobretudo não hesites em deixar a tua opinião.

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  18. Alexandra,
    A "razão" que argumentas parece-me ser fruto duma experiência mal vivida e muito sofrida... Se é verdade que por vezes a realidade pode ser um terreno tão hostil à germinação e ao crescimento de um AMOR que o pode mesmo "matar"! Tb é verdade que nada ousar para não correr riscos e tudo "calcular" dificilmente poderá tornar-se terreno fértil ao AMOR. Matemática e sentimento nunca fizeram bom casamento!
    Espero por isso que ainda um dia venhas a "engolir" essa forma de pensar... e oxalá esteja para breve!
    Um xi-coração apertadinho

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  19. Olá Laura, que maravilhoso é visitar este espaço! Parabéns pelo excelente trabalho aqui desenvolvido. Excelente sua publicação “Elogio ao amor...“, texto original, lindissimo, uma grande contribuição. Feliz e honrado por sua amizade. Acredito; aquele que caminha sozinho pode até chegar mais rápido... Porém quem segue acompanhado de um amigo com certeza vai mais longe... Espero sua visita! Encontrar-nos-emos sempre por aqui. Votos de uma semana recheada de sucesso, muita paz, saúde, brilho, bênçãos, proteção e alegria. Fique com Deus. Um abraço fraterno.
    Valdemir Reis

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  20. Valdemir Reis,
    Obrigado pela sua visita! Fico contente por ter gostado do meu cantinho! Volte sempre que quiser. Eu, sempre que puder, passarei pelos seus blogues! Uma boa semana para si e até breve.

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  21. Ele escreveu bem :)
    Li aqui Camões...belo
    Deixo um pouco de Vínicios

    Que não seja imortal,
    posto que é chama,
    mas que seja infinito
    enquanto dure.

    Um abraço*

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  22. Maria Lobos,
    Que bom vê-la por cá!! Foi, ou melhor, está a ser uma agradável surpresa! Espero que goste e sobretudo (goste ou não goste) não se iniba de dizer o que pensa! Eu farei o mesmo, como aliás já o fiz!
    Quanto a essa pequena "quadra" a verdade nela é imensa... a perder de vista! Gostei também... e muito!

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