O dia
seguinte, foi longo, frio, sofrido e dum realismo assustador. De repente Tu já
não estavas connosco... apesar de te ver ali mesmo, deitado, quieto, pálido,
gélido e de olhos fechados. Tu já partiras, levando contigo a tua alma e com
ela o calor com que antes nos abraçavas, a voz forte e vibrante com que nos
despertavas e sobretudo aquele olhar verde e transparente em que me habituara a
mergulhar desde o primeiro de todos os encontros!
Terrível
e definitivamente só. Foi assim que me senti... não estares revelou-se a
definição literal de solidão! Continuar sem ti é o único caminho possível, mas
também um enorme castigo, uma tarefa imensa e pesada, para a qual não me
sentia, nem sinto, preparada. No peito uma dor profunda e uma pressão imensa.
Como fazer e o que fazer para continuar? Todos os dias me pergunto e a cada
passo a dor continua, intensa e esmagadora! Tu já não estás e faça o que fizer
não voltarás nunca... nunca mais!
Lá
fora, brilha a noite pelas janelas iluminadas, vultos que se movem deixam
adivinhar histórias banais de dias cinzentos, mais suportados que vividos! E
eu, pequena, mortificada e insignificante procuro uma nesga de espaço, uma
brecha de calor onde me possa encaixar e aquecer a alma. Entretanto dou-me
conta que já não sei comunicar, desaprendi e a surdez agravou ainda mais,
impedindo-me de chegar aos outros, sejam os outros quem forem. Mesmo aqueles
que desde sempre me conhecem... e dói demasiado! Os dias sucedem-se às noites e
eu luto ao quotidiano para alcançar aquele distanciamento que me liberte da
dura realidade... luto para aceitar o que a vida me dá, sem me queixar ou
reclamar! Tento, mas aceitar a tua ausência tem um peso insuportável no meu
coração.
Decidi
por isso escrever... procuro na escrita a terapia que me ajude a sarar este
mau-estar profundo que me desencaixa do mundo e me deixa profundamente inquieta
e em constante sobressalto. Digo a mim mesma que à força de repetir, em
surdina, que vou conseguir e que esse dia vai chegar o combate já está meio
ganho! Assim o desejo.
Ponho,
preto no branco, todo o meu descontentamento, todo o meu sofrer, todas as
minhas dúvidas, todos os meus medos: como o de recear não ser capaz de
continuar a viver sem ti! Tudo me parece terrívelmente pesado, triste e sem
propósito...
Sinto-me
viajar no desconhecido... para lá daquela linha em que ficaste, deitado e
quieto, traçou-se uma fronteira que atravesso cada dia sem saber onde me vai
levar. Tento confortar-me na ideia de que um dia voltaremos a estar juntos, e
mais uma vez serei eu a ir ao teu encontro... estarás sentado naquela esplanada da Ribeira, vais voltar a gritar o meu nome e eu vou voltar-me, sorrir,
apressar o passo na tua direção e sentar-me em frente a ti com o olhar
triunfante de quem ganhou a lotaria!
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